15 de out. de 2011

Trabalho final.IELP II

Narrativas orais:  criação e adaptação, segundo modelo de Jerome Bruner

 Waldemar Ferreira Neto
Juliano Aparecido Salustiano da Silva

Número : xxxxxxy



Dedicado a Robbin Willians...”

Encarnado

E depois fala que homem não chora, né não? E até mentira chove, acusações de monte, se de fé eu dou e conto que fui e voltei, na permissão divina e santa, só pra narrar.”
Tinha um mano que vivia, ou melhor, que dava umas “perambuladas”, que os moleques chamam hoje de pião, lá no Jardim Dom José; esse mano era eu, um mais ou menos eu, molecarão também. E nesse tempo eu já era manjado por lá porque, a gente sabe, que a necessidade é que faz o homem, construído. Já tinha tentado de tudo, mas era aquela mesma no Parque que me divertia; as fitas, ter de aparecer.
Eu, como todo moleque, queria também tudo isso e logo comecei a colar com os homens mais fortes da fita, infelizmente. No bolo deles tinha um que era um quente mesmo, uma mãe pra mim dentro do negócio; dava a boa de cada fita que a gente fazia no bosque, no Pirambinha, no Formigão lá do Macedônia... Eu fiquei logo de confiança dele, virei soldado, tenente e capitão, virei o mais lindo e quisto... Daí ganhei dele aquele Jaco bonito, vermelho, da Puma. Aquilo virou meu item de sorte em qualquer missão do chefe na quebrada; não tirei pra mais nada dessa vida, que até sujo ele se encardia, ficando mais dia encarnado de tanto não se lavar...
Daí foi que veio: tava na porta de casa, passando aquele mal, lembrando das coisas; de como era bom ter sido gente um dia, quando passaram aquela pipa pra eu subir lá na ladeirinha, porque tinha um fone na ficha pra mim. Chegando lá era na linha o nosso mestre, seco, falando:
__ Mestre? Salve!- disse.
__ É nosso? E o código?
__È dois. Cola aqui em casa, agora.
Desci voado, na porta bati, lá na rua B, e o truta já abriu a porta e a boca, no mesmo naipe, descarregando:
__ Ah, Belê. Seguinte: confio muito em ti, meu mano encarnado; sabes que eu te prezo pacas e que tu é docas, filho meu... Necessito que tu vai até a casa de um truta nosso, na real da mulher dele que tá fraca, perdeu todas as bandeiras do bicho e dos pontos.Tá sem nada... Eu to com umas armas e uma porção de pratas, pra auxiliar a banca dela no levante da firma.A parada é séria...e eu te ordeno, te escalo, sem volta, pra missão...
Nessa eu já tava travado, calado; e ele continuou:
    
__ A banca fica no Rio de Janeiro, lá no Encantado, quase fora da city, depois da Lagoa Santa, perto do Engenho... A mina tá escondida numa goma lá no alto... É meio morro, mas eu confio... Nessa mochila tem tudo que ela precisa, Cruzeiros, Dólares e duas máquinas automáticas, pra ela começar a recuperar a saúde do negócio.Firme?
__ Firme- mentia eu.
__ Então, eu só te digo que ela é que nem uma mãe pra mim, assim como eu sou a mãe que segura a nossa firma, é gente assim como você: família-de-alma, liga? Então só te falo pra ir hoje mesmo, com essa roupa do corpo, com a mochila, com esse jaco que eu te dei pra que dê sorte nessa fita...
Trata de ir de Busão, porque carro rola rato cinza na estrada...monte de blitz.Não confie em ninguém, saí na miúda, bem manso, segue sua caminhada; não dê trela nem conversa pra esses Zé povinhos do cão, de fofoca...nem aqui nem no meio do caminho. Pega a linha que vai pela Dutra, naquelas...sempre.Toma.Vai lá, Encarnado.
Comecei a caminhada. Pela estrada levando as armas, o Money e solução da zica da nossa mana carioca. Lembro que no buzuca eu ia ouvindo no toca-fitas, pela estrada a fora:

Parece que alguém está me carregando perto do chão 
Parece um sonho, parece uma ilusão 
A agonia, o desespero toma conta de mim. 
Algo no ar me diz que é muito ruim”
Rapaz comum.



Coisa boa não dura; música boa no ouvido não dura. Ônibus quebra na altura de Guaratinguetá, vou saltar! Pensei que nem um louco... Eu não vou me desviar...
Já do lado de fora só dava pra escutar os grilos e os bate-estacas dos risca-facas de beira de estrada, que nem machado, martelo.Foi quando naquele meio de escuro apareceu a voz:
__ Frio, não?
__ Que foi, mano?_ Eu,meio desconfiado, meio confiando, já.
__ Eu disse frio...que está frio, né não?
__ “Né, não?” ...paulista você, né não?_ rachei na risada...  Não ia deixar escapar de zuar com aquele velho... Também eu era mais eu de tudo e sabia que nem pegava nada.Cheguei mais, e naquele lampejo de luz que dava com a lataria do buso.Notei que nem era tão velho assim, que ela era bem risca, bem experto.
__ Você não é muito novo pra viajar,?
__Sou nada, sou de maior, já e tudo...até namoro já...
__ É...e essa mochila que você não larga, que que tem?
__ Tem as fitas minhas, saca que eu vou fazer lá no Rio, de sigilo,saca? Tem umas máquinas e uns trocos pra uma aliada nossa lá no Encantado, perto do Engenho, antes da cidade de verdade mesmo... Meio morro, meio alto, mas tenho que ir lá...
__ Ah, muito louca essas paradas de sigilo...principalmente quando tem fura olho,sabe? Eu to correndo dessas fitas agulhosas...principalmente aqui na Dutra, que é muito perigoso... Cheio das atravessadas... Principalmente pra mim, que vou colar lá no Encantado, perto do Engenho, fazer uma visita também... Levantar a banca, auxiliar, sabe... Também to nessa... Sigilo, saca?
Daí eu vi que tinha trombado com um maluco que era mais firme, que dava pra ver que era sem vacilo, inteiro da idéia; além do destino e das coincidências.
__ É?
__ É... E olha, não é por nada, mas nem sem alarde, acho melhor tomar cuidado com as blitz na estrada...acho melhor não voltar pro ônibus, dar um pião e chegar pela Rio-Santos. Lá é mais onda de chegar ao Encantado... Eu vou aqui ao buso, nas paradas, menos comprometido, mais sabido... Daí a gente vê quem chega lá primeiro... Se pá a gente se encontra lá mesmo, moleque-cerejinha...
Eu curti a onda dele, o desafio... Ele já era mais velho, podia crer que já sabia das coisas... Só nos dentes já era de ver que já tinha puxado um tempão de cana... Me tirando do sufoco, agora...E eu também queria dar uma rodada no mundão, fazer fitas no caminho, juntar uma paradas.Nem voltei pro ônibus,cai no mundo mesmo, ali, no escuro,catando coisas, procurando confusão.
Bem no meio das caronagens no meio da estrada, das luzes, foram surgindo as fitas, e eu fui me demorando. O barulho das casas de beira de estrada me dominava... Fui dar aquela ciscada, que nem galo, atrás das mariposas da noite, nos bordéis, pra dar aquela namorada. Fui fazendo uns corres também, tombando uns mosca-de-boi no posto de gasolina, fazendo a festa em lojinha de conveniência... Com uma arma na mão a gente colhe qualquer pétala preciosa, qualquer grana alta. Fiz até ramo, de tanta coisa proibida que eu comprasse, que achava, que eu negociei: o meu buquê de paranóias.
De mais um dos dias enrolados, mas enfim estava eu lá no Encantado, chegando de noite, no pé do morro, subindo a pé. Chegado, bati na porta daquele barraco sinistrão, pra entregar as encomendas a nossa querida aliada: os dólares, as armas. Daí que sai a voz me enquadrando, grossa:
__ Quem é que tá? É o Trinta e sete?
__ É o dois... Código dois, Encarnado, de Sampa, com as paradas pra salvar a tua banca...
__ É? Esperei demais... Empurra a porta, coisa!
Dentro estava um breu total, ela tava no banheiro, com a luz acesa lá no fundo, já foi falando também, de novo, mais mansa:
__ Deixa os berros e a grana em cima da mesa e vem pra cá pra gente trocar uma idéia de como vai ser agora...
E então tudo ficou mais frio, mais escuro e eu percebi, na clareza que dói, vendo que se tratava daquele mano que eu nem lembrava, da estrada, no caminho, que pensei ser rato inofensivo, naqueles dentes executando por de trás da cortina transparente, do disfarce, a minha repentina e seca sentença:
__ E essa arma na mão?_ Eu perguntei, pulando todas as perguntas, nem ligando pro sangue da nossa mana jogado no chão, que escorria do banheiro para a porta, por causa da falta de esquadro do piso.
__ É pra honrar o nosso grupo, que feito cão caça e faz chorar gente da tua qualidade... “né não, ladrão?”...Cheguei bem antes e já deitei a sua aliada...dei as dicas e ela caiu na fita...entrei e fiz o trampo, sem mais.E essa mão, antes que tu me digas, é pra dar o telefone que vai estourar o teu tímpano, animal vermelho... Pra fazer o melhor tranco de remédio do sistema, te eliminar... Me fazer devorador de bandido safado

As mãos de Tyson, ódio, nocaute 
As mãos do mal também usam esmalte 
Mãos que apontam, mãos que delatam 
Toda mão tem,
As mãos tremulas matam.



   E avançou sobre mim, assim, o coxinha, o mão-branca, o exterminador disfarçado, sendo eu tão novo, deitado do lado errado.Foi o fim da história, do encarnado da quebrada, da minha futura saga.Engolido.




A lei da selva é assim 

Clip, clap, bum! 

Rapaz comum 
A lei da selva é assim 
Clip, clap, bum! 
(Predatória )
Rapaz comum 
Preserve a sua glória!







Bibliografia:

PERRAULT, Charles.A Chapeuzinho Vermelho

BETTELHEIM, Bruno.1903.A Psicanálise dos Contos de Fadas; Tradução de Arlene Caetano.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

4

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