16 de out. de 2011

Corpo-ausente

Está, a partir de agora, iniciado o movimento de corpo ausente. Nas fábricas, nos colégios, nos coletivos: é necessário se ausentar. Não de ausência física, uma vez que é improvável qualquer modo de sumiço que se evidencie antes do fim. O sumir que propomos vai um tanto mais além. Atinge, como veia principal- ou pelo menos tem esse intento- a profunda crise narcisista que nos afeta.
Importados, inicialmente das regiões metropolitanas da antiga nação Carolíngia , a beleza-morta ganhou com o tempo as adaptações de que se tinham precisão para tentar por aqui perpetuar o seu domínio estético. Músculos, academias, barrigas. Nádegas redondas, finas ou plásticas. Tudo quanto a cera molda, acabou por nos moldar e mandar também. Chega. É urgente que a parafina seja derretida, e nossos corpos voltem à forma falha e disforme da carne e do osso que nos torna mai humanos. Por qual razão devemos servir à obrigação do exército invisível e intocável dos olhos claros, dos narizes afilados ou do busto enorme? Por qual motivo devemos nos cansar na esteira, comer maçãs, ou privarmos nos do pernil, do ovo cozido, do fubá? Em nome do Status? Lasque-se o status! A beleza-morta, como nome já demos, já se foi. Que venham agora corpos ausentes de bombas, botoxes ou silicas-silicônicas sintéticas, e presentes de muito espírito e muita carne.

Espírito, carne, vivência; é tudo e só o que queremos. Espaço recheado de massa cinzenta, de reflexo branco, de clareza humana. Racionalidade, fluidez de fala, de ação, de pensamento são as nossas armas fundamentais e , como arma complementar, porém não menos importante, a combatividade, alicerçada não na muda resistência Ghandiana , ou menos nos excesso da Jihad; combatividade irônica e não-palhaça; séria, porém não necessariamente chata; verdadeira, mas não dona de todas as verdades.

Saia. Corra. Vá para a ponta da varanda; veja os prédios, veja o roçado e perceba que és único, que és a elementaridade que se desapercebe no universo. Volte, olhe para o espelho e note que a criação de um ser se dá não pela natureza de suas formas físicas, inúteis e evolutivamente transitórias, e sim na concepção suprema do valor da racionalidade, contida exclusivamente naquilo que chamamos “espírito”. Eleve a mente, exercite-a, torne-a objeto de magna beleza e , quanto ao corpo, entregue-o ao desvalor, do qual a evolução biológica tomara de devido encargo. Corpo-ausente.

                                               17/05/2004

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sobre o Autor

Arquivo do blog