Hoje passei a noite aceso, no mesmo pique dos postes velhos da cidade
nova, que não mais funcionam. Fiquei esperando o sono chegar, a luz
da light falhar, mas eram apenas o sódio, o lítio, o cádmio, tudo
que faz a gente ficar alto, que me pegavam. Vislumbrei o umbral de
fora, da encruzilhada, e não vi o diabo; tão pouco qualquer célebre
cantor de blues pra ninar a ciranda da minha hipomania; poderíamos
nos sentar na calçada anônima, mexer com as mulheres imaginárias,
adoráveis fantasmas dos anos vinte, compor alguma coisa que fizesse
sentido só para nós, pra nossa tristeza, que destruísse o abrigo
de todo o resto de mundo pela justa franqueza de sentido;
transformasse esse gueto num buraco negro, comendo toda a luz
fraquinha dos domínios opressores imperiais...Mas só havia a do
poste, só havia a minha, que me engolia...
A madrugada de Setembro de uma década tão reticente, tão
silenciosa e tão sem utopias, tão sem luz e sem noite-calada, tão
sem rock e sem blues, seguia me varando como um jogo de espadas que
seguram o reator sentimental, como varetas que impedem a fissão tão
natural das coisas, da explosão sem par das tendências às
infinitivas palavras, aos infinitos pensamentos... Fiquei à espera
daquilo que jamais tão remoto esteve, à espera do sol verdadeiro, o
tal “sol-da-noite” , aquele que foi avistado certa vez pelos
homens sem face, e aquele que por isso lhes custou a amarga visão do
outro e de si mesmo; a percepção de que os outros sóis comuns dos
dias eram apenas uma eterna e dramática reprise de uma estrela há
muito tempo finada, persistente em brotar, como que um consolo à
inocência detida, onde haveria de restar tão somente o imitar
contuso do farol gigante, e a todos os dias brutos regar com plasma e
sangue das guerras repetidas contra os rostos que não fossem os
seus, o mais narcísicos utensílios... Antes, no início, no
princípio, na luz que não era a de poste, era tudo fluido, fugaz,
perpétuo; os sorrisos eram sem-dentemente telepáticos, e as
penetrações octoplo-fractais e circulares; os hijos já nasciam
grandes, também circulando e se sorrindo, plenitude das mentes. Eram
todos profecia e profetas. Eram todos. Com o sol verdadeiro e bonito,
se viram ricos, rico-pobres, sábios-pops, dentro e fora, seco e
lubrificado, vivo e morto, os movimentos apressados do coito
angustiante...viram dia e noite, vida e morte. Criaram então a
anestesia e a poesia, de tão inutilmente sabidos que ficaram, só
pra aliviar...
As horas vãs passam e eu não me alivio, não vejo o tão falado
sol; o blues se vai daqui, naquelas levadas que são só
tempo-contartempo, pêndulo eterno balangando tenso, como quando eu
estou sozinho e impotente. Vai saindo Mercúrio lindo no horizonte, a
primeira das muitas falsas estrelas, mas que também é falso
planeta, uma alucinação catártico-coletiva. A luz do poste vai se
minguando, do mesmo jeitinho da lua, a qual mesmo inteira é vazia
quando cheia, uma miragem do nosso capricho. Aprecio com calma o
gigante que vai saindo no leste. E os meus olhos, que vão e vem,
pouco perplexos por não conseguirem ejacular uma só lágrima, no
acasalamento do mundo com o seu fantasioso, se fecham e me cegam, com
o tédio me comendo solto (solto, solto, solto).
Nenhum comentário:
Postar um comentário