Parte I
Ego e tormenta
Sessão III
Penso que eu já tinha dropado , pela semana que se foi após duas de grande luto e desespero, eu mesmo daquela ideia incrível e estranha sobre o vermelho do sangue e outras questões orgânicas; estava agora mais fechado em mim mesmo, que nem uma criança menor no parquinho de marmanjos selvagens, um Simba Safári de desumanos. E toda a minha selva era a minha própria aspirante a terapeuta; eu já tinha pego ou pegado ( porque são muito distintas, assim como distintas e diferentes também as são) o meu atalho e partido rumo à menstruação; tinha deixado de ser homem para virar mulher, pensar como mulher e não como menino; tinha saído de mim como uma visagem torta do outro mundo pra colar minhas atenções no colo do outro, no gosto do outro, no cheiro do outro. Agora eu já havia tudo em mim, minhas emoções de culpas muito bem instaladas e entaladas e ou outro já me enojava. Ela também percorreu hoje o seu próprio atalho em mostra nada, sem ato falho, com mais uma simples pergunta, que passava a bola e transformava esses dois atalhos de uma vez na minha direção. O meu ato. Uma crossroad e um pobre franguinho preto, no meio das encruzilhadas dos supper-eggs
Depois de todo esse mágico esforço de disfarçar caminhos, fingir casualidades, alienar vontades e essências inteiras o trabalho já estava feito, com muita farinha e angu pra adoçar o santo, e eu, sacrificado. Mas agora era final a hora de começar a verter, assim, em tanta beleza quanto verter sugere, mais sangue; não, como eu já gravei, o dela, que na verdade sempre foi mais meu, das minhas ideias e medos pra me desviar do assunto, mas sim o meu verdadeiro esquema de remorsos que me matava, que era menos cíclico, menos bonito e natural. Não poderia passar por um acompanhamento tão nobre e digno e que me custava pouco mais que a minha necessidade em estar ali ,sem me usar de todo o grau de ira e choro que se acumulava pela culpa de não ter vivido o bastante para intervir no mundo do sangue mais relevante. Agora, de madre, mãe-de-santo, de cigana e pitonisa, ela passaria a uma simples e importante tigela de barro, onde a dor e a solidão iriam bater e acumular; respingar nas bordas fazendo graffiti desconexo, dançar no aro superior, quase que caindo pra fora , e retornar ridículo para o meio da sala, para dentro do corpo dela, pra fazer uma poça larga de defeitos, sem freio, sem brilhos, sem vermelho; foi-se uma tarde toda, de boca em boca.
Sessão IV
Os quarimen estavam doidos pra demonstrar todo o seu potencial antepotente. A senhorita Grajew, porém, rondava, reprimia com os olhos, sobrancelhas , com o corpo, não permitia que eles, todos os bichos de mim, dessem a volta pela sala de terapia; talvez ela tivesse medo de que um deles encontrasse a porta, usasse as mãos sutis e espirituais para enganá-la, apalpá-la, fazendo com que lhes fossem vir à vida as quariwomen, e levando a gente a perder o controle dos corpos e das cabeças todas; ou ainda que eles nos dessem a imagem elucidativa de que a alma não fosse una em nenhum de nós, não havendo mais então qualquer razão para a terapia, estudo, teoria freudiana, olhar blasé de superioridade (…) As vezes penso que fui culpado pelas olhadas de dúvida que ela sempre dava, ou por ter sugerido, pela minha franca fraqueza, e então sugado toda essa tal dúvida que Grajew oferecia, ter me transformado em um lúdico duvidoso também...contraindo aquela doença específica da alma retraída e desconfiada.
Era certo que em algum tempo o meu fluxo ocioso e constante deveria ir para a baixada, como água, pra o ponto do mais sem nada que se chama eu, ou ego, ou qualquer coisa assim. Estar diante de Grajew era ser leigo de tudo; leigo dela, como já disse, que fazia com que me insistisse no pesamento fino e infinito, agudo de estar nela, somado ao de ser leigo-leigo, no jeito mai medicoso que há; de não saber os seus métodos, se é que ela teve um ou terá e, finalmente, de não saber sequer dos meus, como que colocar três balões vazios do não-saber naquela sala, e ela como uma grossa agulha nas mãos-moças , para poder tecer uma página, ou pra também estourar o nosso medo.
Ela permaneceu com os olhos fixados nos meus, ou então nos olhos imaginários da parede de gesso dry-wall branca, mais branca e mais bonita do que eu, mesmo que sem olhos vivos ou ouvidos. Eu contei a ela todo o meu breu, o balão vazio da minha tristeza, que se mostrou água em choro, e o choro em pouco, e o pouco em mim, que já não morreria tão vazio, que ia ter pelo menos lágrima branca, não tão branca como as lágrimas sutis dos olhos vazios da parede repetida e admirada, mais ou menos real de gesso, mas ainda cheias de matéria podre e amarga.
E lá era eu de novo, olhando para ela, na direção dos olhos dela, um raio-gama da alma. É claro que essa viagem íntima para dentro de Miriam Grajew não trazia, como já se foi, nenhuma certeza; ao contrário, só me fazia perguntar a mim mesmo sobre a minha saúde frágil, e se aquilo em que eu me via ao vê-la, ao enxergar e passear por cada entrada exposta do seu corpo, por cada brecha bonita e vazada que se deixava a carne em posta, à mostra, meio que gotejante, aos pouquinhos, meio que brilhosa de uma vez que nunca acaba, me transformaria num obcessivo-psicótico ou paranoico, daquele tipo que se esqueceu de ser gente grande e corre atrás de mulher pra correr atrás de si, atrás de suas mediocridades, dos seus complexos de cabra-sem-mamas, sem mães, coisas do supper-egg (…)
Antes que eu me torasse um John H. Junior ou um motorista de táxi pervertido e perverso no filme de sua degenerada cabeça, eu então procurei acender mais as luzes da sala de consulta e olhar pro jeito súbito e não-natural com que vinham à vida os raios claros da fluorescência tubular das lâmpadas altas e frias, pra nos iluminar ao severo custo de todos os impostos, de todos os defuntos que morreram sem vê-la piscar nem que fosse em um menor e enorme sonho, fim de túnel amado e distante. Eu dei-me à luz a mim mesmo; respirei naquele dia tão quente como um douto, mais lento e fundo, fui-me além do saber do certo e do fechado. Abri.
Aquilo que escorregava pelo colo da minha comparsa era só parte inteira do líquido mais claro da bolsa que envolve o conjunto orgânico mais importante e impotente feto-afeto, que ao mesmo tempo processo e veículo de si, fim e meio, razão e choque da minha dor, que de tão forte e cheia de oscilações tonais de riso, a esperança e o desespero ficam brandas e brancas quando se juntam sobre o dentro dos olhos, como um sol em mesmo foco a iluminar o dia e ao mesmo tempo ser a razão para que o dia aconteça ao dizê-lo “dia”; aquela luz que mascara o seu poder mais agudo de torto, fogo, cegueira e morte. Miriam era naturalmente assustada, matura-mente frágil com seu primeiro trabalho de parto das dores emocionais mais cruas. Sim, porque sei que ali, naquela sala, já deviam ter passado muitos nascimentos falhos, fetos sem rosto, sem cabeça, enforcados, sem corpo; partos falhos de filmes, recheios de encenação. Sei, por mais John H. Juunior que seja, que gente muito inadequada frequenta as terapias. Talvez esse tipo de cidadão acredite que possa ter alguma coisa boa de se buscar numa sessão de papeamento com um desconhecido, ou talvez porque haja um modismo, muito influenciado pelo fracasso das fezes ou da fé-caipira-mais-tradicional e por uma reinvenção mais urbana, afetada e perigosa desta, onde o devoto vê no seu terapeuta a ideação de um Xamã ou vidente, capaz de somente com a estrela do olhar requentar como café a alma e fazer brotar a bondade instantânea no middle class mais carrasco e hijo de puta. Também tem aqueles que são influenciado pelo tédio da solidão ou então pela natural e recorrente solidão de seus tédios, e procuram a luz-final por não terem mais o que procurar, como quem vai ao dentista só pra mostrar o quanto os dentes, a gengiva e a língua estão nas suas cores mais corretas e fortes e o quanto o pobre profissional é dependente não de um bem eterno, mas de um mais ou menos vicioso, do mal estar que vai da coceirinha até a dor maior, que de tão distantes se viram numa só; mal-estar constante e intenso da dor(...)
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