11 de set. de 2011

O homem parou na porta do bar

O homem parou na porta do bar
Avenida São João
Futucou o nariz,
Coçou a barriga suja
ajeitou mais uma vez a camisa do Barcelona, doada,
do centenário.
Observou os faróis, que lhes faltavam as luzes.
Equilibrou os olhos, os óculos.
Não tomava cuidado com a pista,
tentava controlar o próprio tráfego.
Vivo, do outro lado, novamente safo.
Batuque ao fundo, gente que grita;
Está carnaval,
mas ele não samba, não sonha.
Agora em sua frente reluz uma caixa mágica,
Brilhante. A solução ao delírio.
Ele olha, não diz, não pensa;
Linda por demais! Cogita, apenas.
Mete a mão,
faz um pedido, e quando esfrega
ouve um grito.
Não é o gênio,
não é Deus, não é o alívio
e diz: “Vagabundo!”
É o dono do bar.
O homem corre da porta do bar
depois de enxoto, de toalhas ao lombo, como o pó
Avenida Ipyranga, das calçadas
ele se sacode.
Meia-noite e dez
último ônibus, ele acena, chove
Sozinho, pra ninguém,
o veículo passa
do jeito que se era aguardado.
Se lembra, portanto da caixa
que se tivesse, faria parar de tudo.
Haveria não só ônibus,
mas também melhor assento.
maior sorte, uma vida sem passagens tão caras.
Até uma tolha mais macia no ombro, pra secar
em progresso, num livro
ou num verso inteiro que lhe computasse a glória.
Dava até pra raciocinar em hidromassagem.
De novo fé na esquina,
pé na calçada, só nas pontinhas.
O sinal está sorrindo verde
e ela ainda o aguarda, intacta.
Ele se endireita,
injeta coragem,
passa um pouco do pó, gliter,
gotas do imaginário perfume;
Dança, sorri, seduz
como se houvesse conquista,
se não houvesse público.
Em plena uma e dez ele ainda se exercita
caladamente no ataque
às mãos armadas.
Recolhe do encanto, sem mais se interessar
de qualquer obscura repreensão, xingamento ou pedestre.
Somente o seu ronco lhe importa
curar a ânsia, dar sossego
àquela dança que o trava em sino,
badalo, missa perpétua na alma.
Ele se projeta, se debruça;
a camisa, a cada golpe mais turva, imensa surge.
O dono do bar ressurge
de vassoura seca, canelas e barriga grande.
E só o que diz é um “vá”,
sapateia de sílabas,
que antes das três finais, malditas, é golpeado.
Há uma fera na esquina!
O sangue corre,
a gente corre,
a garganta estica.
Sua boca, já sem o verbo
só com os rosnados, os molares ausentes
e a maldade recém-implantada
agora tem pouco tempo pra fazer futrico com seu grandioso desejo.
A língua toca no fundo do pote
A mão que o achara é aquela que vê a outra,
premeditada.
O rosado do soro sem nata,
com aqueles flocos marrons de areia,
pedrinhas, sujeira misturadas
se assemelham mais a bons insetos
que não necessitam fugir.
O farol funciona outra vez
encarnado para o seu estômago,
só para ele.
Agora se ouve a sirena
agora é vista a buzina
O tempo nem mais se conta. Está apanhado.
Barão do rio Branco,
distrito de polícias
depois da farra, da surra, do parto em público
o corretivo o espera, numa sala escura.
E enquanto urra, contra a arbitrária sentença
contra cacetes, futuros cárceres
surge uma punção ao terno
acidentada:
O homem sorri para caixa,
e antes de qualquer lágrima,
troca com ela um riso,
um beijo distante
Antes que suas mãos sejam de uma vez trancadas,
um provável pedido,
utopia,
migalhas ao verso.
Ela sinaliza de volta, como tudo o que se vale,
sempre em silêncio,
apenas ostentando na madrugada
contra as confusas luzes a marca
o emblema da cidade:
“Prefeitura de São Paulo,
coleta de resíduos orgânicos alimentares;
“Amando você”. Avenida qualquer.





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