28 de ago. de 2011

... II

Super-Egg



Parte I

Ego e tormenta


Sessão II


Uma semana de papel, doente e fraca, passa rápido; isso se descarta como folha branca recém-usada. A gente acaba voltando, revoltado, mesmo quando não gosta da coisa, ou quando a coisa não vai muito com a gente, não sei por qual motivo; mas quando se está em branco como essa página foi um dia, qualquer vento te leva pra um turismo no esgoto mais sujo, que aos poucos vai ficando aceitável pelo costume até que o nojo se torne nosso primeiro e último amor. Sem ter o que pensar estava eu outra vez dividindo a sala de consultas usada para que os estagiários da clínica psicológica praticassem suas venturas. Eu estava na frente do mais frio monumento visto pelo homem desde que olho e homens há; perto do mármore fundo e escuro no qual estava talhado o corpo e as ideias de Grajew. Aquilo que era mais ou menos um encanto, mais ou menos um todo. Gelo. Um Gelo-corpo.

O gelo, então, batendo em copo vazio à espera do gim ou do suco, caiu derramado em mim; ela finalmente perguntava algo muito doce e profundo, uma coisa que não existia nos livros e manuais de nenhum cata´logo de loja ou biblioteca; não era frase histórica, cheia de barulho mentiroso pra abrir muralhas fortes, nem a palavra do frade ao moço novo, que lhe dá a última chance para que se arrependa antes do “sim” maligno e eterno. Era a voz mais grossa e dura, de vez, pra falar de maneira pura o inefável nome do princípio agradável e amistoso de papo: “como foi a semana?”. É claro que digo que isso tudo vai passando descrito como só fosse uma bíblia toda em traduções de monte revisadas, e diminuídas, e aumentadas demais, nunca chegando ou permitindo o repouso do escrito sobre o certo, mas, como é, se passa em milésimos de segundos, sendo que a palavra dita mal ter haver com a pensada, que nem sequer pra escrita arrasta mais que qualquer migalha de tudo que coloria o sofrer. Ela abriu e fechou num ritmo paulistano e macio a questão de mim, não sabendo eu se era o sinal de que o gelo tinha cansado de ser gelo pra virar refri ou bebida mais forte, ou só um atalho imenso, daqueles que todo mundo, ou quase, faz para encurtar a monotonia da vida, seja paciente, seja terapeuta.

Olhos baixos novamente. Trabalhei o dia todo antes do encontro os pensamentos; alinhei cada puta palavra, sem palavrão, com retidão, em barulho; um legítimo midle class, meio íntegro, meio atento, meio belo,todo em nata, um nada. Era esse o tipo que convinha à Grajew ver em sua consulta com mais de um em tantos outros, imagino, necessários para lhe completar, se não em experiência de parto e de vida, ao menos a carga horária de estágio na clínica para que se formasse um dia; seria uma midle class completa e escrita, graças ao meu silêncio filho da puta. Repetido palavão. Hoje ela está possivelmente menstruada, pensei; não sei por que causa pensei, talvez seja só a perversão crua e mais instintiva do inconsciente, ou apenas canalhice do supper-egg, a frágil casca do ovo que separa a gente do bichos menos repletos, da gosmenta e estranha verdade, que de provável também seja amarela como a gema, ou mais vermelha e tensa até, como o desnascido embrião do galo ou do pássaro, vai saber (…) Força interna é, da mais sincera, assim como o cão fareja a sua pareia no deserto eu sentia sinistramente o mediúnico fato, sendo bastante um mágico, sensível muito mais pela prática diária do que por qualquer dom(...)

Queria muito que ela desfizesse esse círculo, que ia como refrão de qualquer tipo em minha cabeça, que repetia rimando em perfeição o são: são, ssão, o ção, truação... Aquele pensamento ordinário e safado de antes que ainda ficava; quando tentava ir prum assunto mental capaz de conciliar os diversos lados da motosserra existência minha, fazendo muito claras a sondagem sobre o gelo, o passeio nas distinções de cada peça de roupa, de cada célula morta, de cada jeito desatento e desinteressado de se portar daquele átomo bem pequeninho, bem terreno, perto demais dos outros pra chegar à ideia de si mesmo, mas se querendo fugir lá da laje da biblioteca do prédio vizinho...Minha espiral, mais sem nexo que o tudo, fazia meu impulso derreter qualquer elemento material, qualquer figura que pudesse ser calculada com exatidão, ou mesmo a distância mais banal, das medidas à trena ou fita eram todas e todo, que já me perdi na fala, de só vontade infinita de ficar ali planando, ignorando as coisas feias desse mundo e entrando mais uma vez, com a voz do quieto de Grajew ao fundo, na balada insana e culposa-doce do “São-ção”, como se me desviasse daquela frieza toda de mulher séria(...) Dito e a sessão termina sem ferimento ou lágrima.

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