20 de jun. de 2012

O Tempo: Prólogo e Poema


Prólogo 
 
O poema “O Tempo” surgiu de uma ideia paradoxal, ou, melhor dizendo, sobre a essência dos paradoxos cotidianos, que será aqui omitida, uma vez que é translúcida essa ideia no próprio poema, e inclusive porque dizer é sempre um modo de estragar as coisas importantes que serão vistas. O “Tempo” deve ser lido com monotonia; não somente no sentido estrito, mas também quando da sua leitura e entoação; é difícil medir “O tempo”; não é de jeito nenhum um apelo à melancolia pura; é uma história poética de como essa melancolia se instala no humano e talvez o porquê se instale. Tem isso muito em comum com o tempo (esse bem minúsculo mesmo) nosso e como fomos criados para um perpétuo culto ao morto.
Qual foi o último autor vivo que lemos? Eu não me lembro muito bem, mas deve ter sido algum da máxima raia de glória, algum que está bem para além do tempo regulamentar, algum que caso não se corra com as páginas, pra que elas sejam bem mais rápidas que o soro pingando na UTI da Santa casa, perderíamos a disputa da nossa última frase lida pelo último suspiro. E daí teremos de relê-lo novamente, pois exame clínico é exame clínico, e necropsia é necropsia... Sempre temos que refazer a vida que houve por de trás da morte, como quem cavuca um motivo escondido para ter sido como foi o morto: tão avarento, tão cheio de bigodes enfiados no nariz, tão da fossa, tão do juízo... tão vivo...
E fora essas firulas clínicas, que quando terminadas pedem só teses e carimbos, falta ainda o fazer de se aguentar a família do ser ex-vivo. Nunca haverá filho, marido, genro, sobrinho como o que nos deixara sem a sua arte, sem o seu corpo expiatório fedido em decúbito, vazio, doente...
Coroa de espinhos; flores de referências que vão até os 70's, no máximo; flores da psicodelia passada, que ali morreu depois que pousou...Pequei! Pois disse flores e elas já têm dono, que muito melhor, no passado, as fez cheirar consumo em verso, o mal todo, para o nosso bem já estivera na tempo de apuro e de ouro da arte … E vaguei tanto pra dizer bem das flores que saltei o o fato de que nos sugou todo (esse mesmo fato já dito aí mesmo caso procure)... que nos sugou toda a obra, todo o traço mais ousado.... A Borboleta congelada. Não podemos ser tão nítidos agora, se pela liberdade dos olhos nos prendemos mais e mais no moderno, mais e mais no novo que nasceu e venceu antes de nós...não podemos sem nos deitarmos nas camas dos mártires lusos, dos senhores da saudade, que são capazes de tamanho orgulho pra contar serem donos de uma voz que tanto xinga: Saudade! saudade?
O tempo promove tanto a saudade, e dissemina ela tanto como flor de fruto,necessária, que nos convence a sermos chatos em solicitar em coro um passado que não tivemos. Meu avô não lutou em nenhuma guerra além daquelas que se faz para subir em andaimes e juntar tijolos. É essa a nostalgia? Por isso tempo é uma piada, muito mal feita, sobre os que choram sobre o túmulo de uma entidade desconhecida, desconexa com o seu mundo, chamada passado, e sobre como a nossa juventude, a nossa maneira radical de sermos grandes desafetos da opinião de que o licor de mel se entorna sempre na caverna mais escura, na época mais rica e idílica. É um usar do cadáver pálido à luz da lâmpada e... deixar pra lá, o romantismo paulistano e todo o resto no asco. Nosso tempo.


O TEMPO

Tempo bom aquele em que não existiam máquinas do tempo!
Que se era de fechar os olhos
e um estalo
se faziam ferver os ventos.
Até que secaram se as pias
dos dentes moles dos Dias
e toda, qual se veja a vida
tristes dias
secaram os dois, olhos-ponteiros.
Maus tempos...

E de mal-ficar, inveja dos que entornavam os novos tachos
dos mendigos em rede, ricos,
ficou de mal e contentou em pensar sozinho através do mundo
longe dos sujos,
dos viadutos cortantes,
preservou o nome puro: Purésio Fonseca.
Que da Rocha observava os bailes direto de uma urna
mais hermética que a rosa morta e congelada
dos clipes antigos
e papéis coloridos.

Que peste de ter que não passa”
E se viu no espelho D'água da rua
escorrendo pelas guias como castanhas curvas
um sensacional evento:
depois de lavrada a água, estorricada, subia ela a ladeira toda
depois de passar pela máquina
Era uma colheita mágica; em que subia dança, som
vila e pátria. Tudo como fora. Como dentro da Fonseca música Era,
de gente grisalha-
Schiller na esteira das almas
fazendo cooper com as mulheres de lata,
bate lata!
bate-lata!
da Rocha que se brilha à máquina,
contraditório moinho
desejo de ter a amada Era do amor do desejo
bicolor, nas telas de zinco, domada fera.
Nos rumos das mil tranças do gosto perdido
passado ter como hoje
pomares fungos de flores
o repetido e o seguro
pilares das vias
torres das ruas,
das dores...
E tristeza garantida sem pressa
que quanto mais longe vamos
mais danados presos ficamos no sal do tempo,
esse comum caminho
em que se larga pé, braço e tino
e se quer sem eles chutar, brincar de Ave-Maria
agarrar e perder o juízo....
Ao som do twist bolero cavalera
Guarufa no espelho,
dançava Purésio com a dama mesquinha
que já estava morta,
mas que queria roupas de pele,
que queria mil cruzeiros! ele dizia...
De vermelho eram os olhos dela
de ser carne já passa,
flambada de conhaque escuro dos filmes,
de encarnados eram os olhos Fonsecas pras idas,
por ser Meia-noite sempre em seu lodo mágico:
Tempo bom aqueles em que não existiam máquinas do tempo,
para tentar-nos com sádico jeito de ir, pelo novo ao velho!”
Não tinha máquina do tempo no tempo que tanto havia
e isso angustia ele tanto...
que se pudesse querer voltar,
e aceitar o brio do presente apelo
e ver o novo secar-te de uma vez as lágrimas
creria,
em futuro todo creria,
que a valsa se dança nas tranças da menina mais tenra,
mais terna chamada Juvência,
conhecida como insegura,
imprópria e lenta,
A Juventude, fujona Maré-Ana.
(Desliga-se a máquina, que se perdeu no tempo-paradoxo).

(Sinal de radiofrequência pós-poema....)



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