Prólogo
O poema “O Tempo” surgiu de
uma ideia paradoxal, ou, melhor dizendo, sobre a essência dos
paradoxos cotidianos, que será aqui omitida, uma vez que é
translúcida essa ideia no próprio poema, e inclusive porque dizer é
sempre um modo de estragar as coisas importantes que serão vistas. O
“Tempo” deve ser lido com monotonia; não somente no sentido
estrito, mas também quando da sua leitura e entoação; é difícil
medir “O tempo”; não é de jeito nenhum um apelo à melancolia
pura; é uma história poética de como essa melancolia se instala no
humano e talvez o porquê se instale. Tem isso muito em comum com o
tempo (esse bem minúsculo mesmo) nosso e como fomos criados para um
perpétuo culto ao morto.
Qual foi o último autor vivo
que lemos? Eu não me lembro muito bem, mas deve ter sido algum da
máxima raia de glória, algum que está bem para além do tempo
regulamentar, algum que caso não se corra com as páginas, pra que
elas sejam bem mais rápidas que o soro pingando na UTI da Santa
casa, perderíamos a disputa da nossa última frase lida pelo último
suspiro. E daí teremos de relê-lo novamente, pois exame clínico é
exame clínico, e necropsia é necropsia... Sempre temos que refazer
a vida que houve por de trás da morte, como quem cavuca um motivo
escondido para ter sido como foi o morto: tão avarento, tão cheio
de bigodes enfiados no nariz, tão da fossa, tão do juízo... tão
vivo...
E fora essas firulas clínicas,
que quando terminadas pedem só teses e carimbos, falta ainda o fazer
de se aguentar a família do ser ex-vivo. Nunca haverá filho,
marido, genro, sobrinho como o que nos deixara sem a sua arte, sem o
seu corpo expiatório fedido em decúbito, vazio, doente...
… Coroa de espinhos; flores de
referências que vão até os 70's, no máximo; flores da psicodelia
passada, que ali morreu depois que pousou...Pequei! Pois disse flores
e elas já têm dono, que muito melhor, no passado, as fez cheirar
consumo em verso, o mal todo, para o nosso bem já estivera na tempo
de apuro e de ouro da arte … E vaguei tanto pra dizer bem das
flores que saltei o o fato de que nos sugou todo (esse mesmo fato já
dito aí mesmo caso procure)... que nos sugou toda a obra, todo o
traço mais ousado.... A Borboleta congelada. Não podemos ser tão
nítidos agora, se pela liberdade dos olhos nos prendemos mais e mais
no moderno, mais e mais no novo que nasceu e venceu antes de
nós...não podemos sem nos deitarmos nas camas dos mártires lusos,
dos senhores da saudade, que são capazes de tamanho orgulho pra
contar serem donos de uma voz que tanto xinga: Saudade! saudade?
O tempo promove tanto a saudade,
e dissemina ela tanto como flor de fruto,necessária, que nos
convence a sermos chatos em solicitar em coro um passado que não
tivemos. Meu avô não lutou em nenhuma guerra além daquelas que se
faz para subir em andaimes e juntar tijolos. É essa a nostalgia? Por
isso tempo é uma piada, muito mal feita, sobre os que choram sobre o
túmulo de uma entidade desconhecida, desconexa com o seu mundo,
chamada passado, e sobre como a nossa juventude, a nossa maneira
radical de sermos grandes desafetos da opinião de que o licor de mel
se entorna sempre na caverna mais escura, na época mais rica e
idílica. É um usar do cadáver pálido à luz da lâmpada e...
deixar pra lá, o romantismo paulistano e todo o resto no asco. Nosso
tempo.
O TEMPO
Tempo
bom aquele em que não existiam máquinas do tempo!
Que
se era de fechar os olhos
e
um estalo
se
faziam ferver os ventos.
Até
que secaram se as pias
dos
dentes moles dos Dias
e
toda, qual se veja a vida
tristes
dias
secaram
os dois, olhos-ponteiros.
Maus
tempos...
E
de mal-ficar, inveja dos que entornavam os novos tachos
dos
mendigos em rede, ricos,
ficou
de mal e contentou em pensar sozinho através do mundo
longe
dos sujos,
dos
viadutos cortantes,
preservou
o nome puro: Purésio Fonseca.
Que
da Rocha observava os bailes direto de uma urna
mais
hermética que a rosa morta e congelada
dos
clipes antigos
e
papéis coloridos.
“Que
peste de ter que não passa”
E
se viu no espelho D'água da rua
escorrendo
pelas guias como castanhas curvas
um
sensacional evento:
depois
de lavrada a água, estorricada, subia ela a ladeira toda
depois
de passar pela máquina
Era
uma colheita mágica; em que subia dança, som
vila
e pátria. Tudo como fora. Como dentro da Fonseca música Era,
de
gente grisalha-
Schiller
na esteira das almas
fazendo
cooper com as mulheres de lata,
bate
lata!
bate-lata!
da
Rocha que se brilha à máquina,
contraditório
moinho
desejo
de ter a amada Era do amor do desejo
bicolor,
nas telas de zinco, domada fera.
Nos
rumos das mil tranças do gosto perdido
passado
ter como hoje
pomares
fungos de flores
o
repetido e o seguro
pilares
das vias
torres
das ruas,
das
dores...
E
tristeza garantida sem pressa
que
quanto mais longe vamos
mais
danados presos ficamos no sal do tempo,
esse
comum caminho
em
que se larga pé, braço e tino
e
se quer sem eles chutar, brincar de Ave-Maria
agarrar
e perder o juízo....
Ao
som do twist bolero cavalera
Guarufa
no espelho,
dançava
Purésio com a dama mesquinha
que
já estava morta,
mas
que queria roupas de pele,
que
queria mil cruzeiros! ele dizia...
De
vermelho eram os olhos dela
de
ser carne já passa,
flambada
de conhaque escuro dos filmes,
de
encarnados eram os olhos Fonsecas pras idas,
por
ser Meia-noite sempre em seu lodo mágico:
“Tempo
bom aqueles em que não existiam máquinas do tempo,
para
tentar-nos com sádico jeito de ir, pelo novo ao velho!”
Não
tinha máquina do tempo no tempo que tanto havia
e
isso angustia ele tanto...
que
se pudesse querer voltar,
e
aceitar o brio do presente apelo
e
ver o novo secar-te de uma vez as lágrimas
creria,
em
futuro todo creria,
que
a valsa se dança nas tranças da menina mais tenra,
mais
terna chamada Juvência,
conhecida
como insegura,
imprópria
e lenta,
A
Juventude, fujona Maré-Ana.
(Desliga-se
a máquina, que se perdeu no tempo-paradoxo).
(Sinal
de radiofrequência pós-poema....)