17 de out. de 2012

Tem gente que diz saber onde corre o boato do suor e da voz fraca, do coração batendo, da vista lua cheia azul até em teto de mármore, mas desconheço, nunca vi. Jura que tem na boca o sabor restante para quando mesmo o velho se vá encontre mais um, em si ou no além, numa fila de posto ou velório, o tédio reciclando a vontade de cópula, como copos de cerveja que se deixam meios pra se beber outra vez, e outra vez, e outra vez; essa cor de tentar à alma um lance, mais um de ficar piscando as luzes entre pálpebras, cílios avessos, mentiras de cara e roupão, hospedagem múltipla de sentidos, no coração chuveirada, me trouxe desconfiança sempre. Se perde o juízo quando tem, e quando se procura justiça, não há mais, está tudo roubado. Dizem que o amor roubou os fatos, destruiu as provas e forjou a inocência; mas não acredito nem no crime, nem no ladrão.

Piscam mais um pouco mais, sem luz, em amarelo o semáforo, o sinal, e a sinaleira. O amor está espalhado no subsolo dos cantos da terra. É a serpente danada na selva, que só se sabe quando está perto pelo chocalho tilintando, batendo de vez aquele apavoro em que já está perdido, pensando ser tudo verde e água. Veneno raríssimo e intenso, penetra sem calma por panos e inúteis calças e botas de tudo quanto queira em delírio, na seda plebe, no rosto coxas, na selva neve. E está assim o inevitável da decência perdida, que decadente estrela se largou do puro por tanto desejar as redomas de vidro, tanto medo. E se por milagre retorna a enargia após o beijo, e o trânsito serpentinizado volta a ruim monotonia do barulho dos carros e seus faróis demais por simples e fortes, está ainda . O peito necessita retornar ao trabalho. Larga em casa mais uma pista de tinta amarela para que o bicho retorne e te encontre e te morda, e o efeito doce não passe, por entre os dias de convívio e não se borre nunca de creme ou coisa mais fraca que há, mas só se fique densa como o tempo, teimosa, cada vez mais propensa ao vermelho.

Mas não creio na loucura, nesse calor de onda que se bate quando a febre ainda nem se instala, nesse frio de abandono que não nos liga, acusa, tumultua, ofende. Pareço crer mais no choque do que na distância bruta tua. Meu sentimento mais duro se resguarda em colchão, colcha, brega tênis-de-mola. Eu pareço te vender quando quero, e te fazer empréstimo quando preciso de reparos, por um tempo. E embora sejam, amor e eu, portas de frente e dos fundos de dois estreitos, me penso que saio por entre os dois desejos: o de currar por de trás, e o do beijo, sendo necessário por isso torcê-la, fazer-te manca, por você num cubo, sem respiração... Mas a dor se desloca, mariposa noturna e fera. Outra vez bate asas e espalha poeira sobre um texto velho. E eu não sei se derivo da mentira ou minto de maneira genuína; como verme, sim te cerco como se já não vivesse folgado te consumindo por dentro, mas nego, ainda nego...

A rua está toda marcada com soberba, e os ternos recheados de alguma vida. Pedras tão cruas que se vestem a fino linho, assim eu me mereço, como tal homem que rejeita o amor e some, por dentre o preto da noda encoberta do sabor da trança de cabelo que a minha mão alcança, e não tenho medo. Mas os dedos ficam com as pontas dormentes, como quem não deseje mais o toque no piano, e a desconfiança fica aliada da ideia muda, que tenta se despir de fraque, voltar para o adiante do beijo. Mas há cocaína em terrenos cheios de cobiça. Se recorre a ela ou aos remédios, pra fazer sua reprise, simulacros. Se há amor no comercial de alvejante, ou na blusa feita sem carinho por imigrante clandestino, não sei, continuo não o vendo. A reincidência persiste, não tranco as portas de casa; me contamina o brasa inconstante do fero bonito e breu. É escuro e retorno. Há quem diga que me oscilo e contradigo nisso, me engana o que dorme de olhos abertos e unhas. Ferido eu corro, sigo enganando também, com o frio, copos de vinho e dança. Sobre a minha cama o alvará de soltura, que se sabe ser minha nota plena de confissão, amassada pelo ruído da respiração dupla e carregada, e constante conquanto me atei; agora só, vai meu peito brincando de se fazer duas, pulmões de quatro e corcovas, simulando-se, enquanto o teto cheio de estrelas se aproxima do coração e afaga com o quente do passado que vejo e, como astro do céu, que pode já estar morto há mil anos, clareia de falsa luz o instinto da esperança e o esmaga, amor de supernova. E assim nasceu a descrença e a mentira do não se brotar nesse abismo, ladrão da meia-noite, a quem deixamos diamante em cofre aberto e carne pronta em madeiras sem toalha, amor sem endereço.

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