Na noite que foi e eu estava
nela matei uma blatta no chão do banheiro. Aquele bicho marrom
comprido de antenas, assassino cruel das noites quentes. Bem lembrei
que as blattas são escolhidas pela natureza para espalhar o seu
imundo sentimento de culpa por serem tão feias, tão mal-amadas,
distantes, às vezes voadoras, outras invasoras de potes de açúcar,
mel, nada escapa. Mesmo sabendo que morrerão logo elas se espalham,
hediondas, e quando penso que matei a última, a blatta-rainha,
saldando de uma vez o medo, me vem saber que as blattas, borboletas
da maldição, de tão amargas que nem pra mariposas deram, que não
têm coragem para surgir durante o dia, e se surgem é porque já são
a peste dona de tudo sempre se devoram; isso mesmo. A que matei ontem
e não recolhi, por medo da alma morta buzuntão da finada, à espera
de formigas que não apareceram, foi reposta no estoque por outras,
das quais uma comeu lhe o intestino e as partes cremosas que separam
o couro da asa das patas.
Não posso dizer que foi menos
competente da minha parte renegá-la, mas tive medo de assombração
de blatta, que deve ser pior do que o próprio inseto. Nunca fui fixo
na ideia de que deva existir atormentação de gente, mas delas, tão
pequenas, meu pensamento sempre pendeu mais para a certeza do que
para a dúvida. Fico imaginando uma praga tão forte, imune ao spray
e ao chinelo, voando, aparecendo e sumindo em qualquer lugar... Na
verdade seria como em vida: imortal, derradeira, enxerida. O veneno
engana e deixa elas tontas pra se enfiarem em qualquer buraco, e nos
ilude em dizer que matamos. Ambos satisfeitos, o teatro feito e
encenado, ou mais tarde elas voltam, num cômodo escuro, um batente
de porta, com outros nomes, e a gente pensa ser blatta nova, e se
assusta com ineditismo troncho, e ela ri. Eu volto de novo pra ela,
parece que morreu no ralo; antes meditara como havia dado nesse mundo tanto abalo, em mocinha e em bandido; e é absurdo como tanto faz que seja mais
uma a morrer nessa nossa interminável guerra com CFC.
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