Agora é noite, quase dia, e a
incipiência da claridade na réstia construída no vidro do banheiro
faz lembrar saudade; da que não sabe se quer de fato o dia. Uma
certa canção ruiva e comercial, mas nutritiva, no dial do FM, com
os versos de que houve outra estação na estática apatia da
não-mudança da dor, na dança de um silêncio que se repete por não
ter mais como se dizer, a perda da autocrítica no desespero, torce
o pouco pensamento em ruído espesso, e esse ruído na vontade de
pensar nesse frio tormento
de sol chegando entre nuvens, mais uma garoa, nesse quase tal de Por
enquanto .
O namoro incipiente tem mesmo,
como noite indo pro dia, dois movimentos. O de ficar e o de ir. O de
ficar, que é o de êxtase transformado em extasia, é o do
carrapato, que chupa tudo e engorda da caça, dorme apoiado na farsa
do trabalho do roubo, finge que explode quando ela ameaça partir de
vez, se enruga, murcha, até que o couro do outro por alguma pena
sucumba de novo, de novo, e de novo... Carrapatos se nutrem não só
do líquido vermelho do afeto, mas também da bondade sem freios do
ente que vive como um alvo seu no pasto, vez ou outra abanando a
cauda, mas nunca sacudindo de veras para que o dependente da paixão
se caia. Amor muge e dá em bandos. Quando estoura é fácil ser
atropelado por ele ou por uma de suas reprises erradas,
principalmente em imaginar que se pode contê-lo, como o faz o
boiadeiro ou o Peão. Mas se sabe que o bicho indecente e minúsculo
não pensa, não se mede, não quer se pretender igual; não existe
laço, pois é ele mesmo corda, nó e laçado. Para sempre.
Segue desse jeito até que um
dia, garantido alimento farto, certo do seu destino de ser o
sangue-do-sangue do outro, mais que irmãos, se descuida e cai na
grama, e perde de vista o amo que some. Lentamente acorda com um
número errado, gosto azedo na boca e uma casa sem mobília. Nem os
quebrados de Real se encontram: móveis das brigas e camas das
madeiras baratas relincham sozinhas. Tenta procurar na geladeira uma
lembrança, um pouco do sangue; na agenda busca eventos com outras
mulheres parcas; tem más lembranças de todas, e nutre-se agora do
restante da que se foi, em conserva na sua memória e nos vagos fios
que digere de macarrão em lata. Terá que se acostumar com tudo
assim. Congelado. Se sabe que não... que não pode viver como um
inteiro o que só aprendeu a ser um e meio, a ser o meio do uno
outro. É impraticável sugar a própria lembrança e tirar dela o
denso pó de pelos de barba crescida e suja, por se esquecer de si
por tantos anos, todo santo dia...praga por praga, um a um...
O de ir é o de fato o vai-vém
da cauda pros espancos de ameaças fajutas, de quebra de objetos
quebráveis, quadros, cinzas do cinzeiro, quadros poucos valiosos,
carrinhos de bebê, garrafas vazias de quaisquer droga, aquários
vazios, discussões, calmarias...O de ir é o para sempre, na vez
acidentada última, quando nota o de-ficar carrapato caído e salta
depois de ruminar desejos e descambar à cerca. O de se ir é o para
sempre do sempre durar até a véspera de Natal, quando se cria juízo
e uma avó, já morta, donte pra visitar. O interior é longe e os
fios não se conectam bem... Não há como telefonar para fora nessa
distancia braba, e geralmente falta luz; tentar sair dessa cidade
calma e imaginária é se lustrar com barro, é o que geralmente se
alega, e o escape pro mundo se faz pela carestia das fichas. Estamos
em Dois Mil e Doze... Se emenda o calor de Janeiro no pré-luto dado
de certo, e o Fevereiro no carnaval das mágoas, e ela fica um pouco
mais. Se afoga toda a dor da mente num Março de Águas, bem peto de
Junho, Julho, Setembro das flores apertadas numa quina, um outro
número de telefone escolhido ou telefone nenhum, pra nunca mais
voltar. Correm pelas guias amarelas e cinzas e por entre as máquinas
as águas da liberdade do degelo, e em algum canto da cidade um
parasita murcha de desencanto e lágrima sem o guizo.
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