Mil
desculpas,
ao pedreiro José Inácio, ou
Inácio José, ou Josenildo que re-trabalhou com a imensa raiva sobre
a calçada que acidentalmente desfiz por não lhe ver o cimento novo
em 30 de Agosto desse ano. Na verdade, não sei seu nome, caro
trabalhador, contrário máximo de mim, sabendo que sou, além de
vagaldo Iulius, clarividentemente preconceituoso. Poderia ser você
não de qualquer nome popular como desses que disse, ou pensei, pouco
importa; podia ser grande e forte como Marco, Vitor Orador, Caio,
Mario, Murilo... Ou Carlos, que é simples, mas reificante...Carlos
Augusto! Uma boa entrada para tribunais e em voz de mãe. Acho,
porém, que é mais digno chamar-te de Cícero, que é nome forte,
que a esteira rápida dos dias fez passar ao econômico Ciço, e que
os grandes, donos da cidade e do nome usaram para des-significá-lo
de fazedor sem alma, de trena, desempenadeira e calçada.
Era de Bordel a obra feita no
final da tarde. Não subiriam nunca por carros e a gente que
entrasse, muito moral e ordeira pros festejos, faria na sola sem
chinelo pra ter menos barulho que o apito dos guardas, ou as buzinas
das motos da Cardeal. Lá dentro as borboletas não voavam e tinha
muito cheiro de mofo. Não detinha essa mecânica o mundo escuro de
definir tudo na base do urro o inferno pequeno; se contentava em ser
a casa um sujo externo ao paraíso de dióxidos de fora: Ônibus que
antes desciam no embalo agora estacionavam e só faziam correr o gás
e a fumaça na frente do estabelecimento e dos poucos outros dali
abertos. O Bordel era um exaustor quebrado. Eu particularmente nunca
havia visto alma bêbada entrar lá; confesso que já gastei alguns
minutos da minha caminhada noturna sempre olhando para os que nunca
entraram, os que sequer passavam pela calçada, velhos, mulheres,
como que com medo do buraco negro daquele puteiro, e juro eu, que
nunca estive em tal miragem, na porta ou qualquer das redondezas...
Mas o pedreiro Ciço, voltando a
ele, teve um dia duríssimo, como aquele em que saiu pro mundo e foi
dado ao sujeito o suspeito nome. Observou o clarão da tarde seca de
Agosto e fez a massa lentamente, carregou a água como a que tirou
do rosto, colocou os níveis. Pedra, areia, deslanchou tudo e foi
acertando no mesmo ponto que se embalava sua imaginação a percorrer
os caça-níqueis perdidos entre cortinas e caibros, de quanto iria
mentir para os amigos sobre como trabalhou no maior zonão da zona
oeste, um dos maiores de São Paulo, com bebidas coloridas, gente
rica passando pra lá e para cá, carne fresca de primeira....
Gatinha e novelo...E Ciço ali no meio, como que fazendo as pazes de
bombeiro em dia de chamas, prudente com caibro, fita e trena, abrindo
caminho, a sair por aquela porta toda decorada, pesada, pra evitar
que se vazasse música alta ou a identidade dos fraquentadores
chamados pela internet, cadastrados. Tava lá Ciço alinhando o piso,
como o homem que forjou os pregos pra cruz, com o diferencial de
saber do seu feito ao vivo... Ou para Marília, ou Nise, ou Lina, que
o lugar era bar de gente ruim que pisava em gente ruim ou boa que
fosse simples, e que gostava era mesmo dela que era assim também, e
não desse povo que fala com o nariz ventado e empinado; que o teto
estava pra cair e terminou o serviço depressa pra se ir embora dali,
que as mulheres de lá não tinha olhado pra estas nunca, porque eram
não só a safadeza na forma do cão no quintal como também tão de
fachada piores que o buteco, a parecer com homem, de buço, risada
alta, cheiro de breja e de cigarro na cara... Ajeitou tudo e se
mandou; não sabe o horário que abre, jura por Deus que num sabe a
hora em que fecha ,nem vai saber jamais por que vai direto pra casa,
não dá conversa por Deus, mulher! Até recebeu o combinado errado
pra menos: eram duzentos pela mão e cem pelo trampo, mas não vai
fazer questão, pois não sabe o nome do pagador, nem a forma,
pretende deixar como está, jura de novo que não sabe... e Marília
Nice crê bem sólida; e bufa menos.
Depois da dança do cimento pelo
batidão de terra, areia, massa, nível, um ajeita-ajeita, e desse
pensamento todo, o feito passa rápido. O povo no farol da Cardeal
parece bonequinho de tiro ao alvo; depois reclamam de bala perdida;
vem o pensamento besta de fora da gaiola pronde precisa correr logo
mais, pra toca de Nise com seu faz-me-rir da função, nem que esse
fosse só uma chapinha pequena de dois dentes da frente, uns
cinquenta pela mão, qualquer coisa. Aprecia, com certo delírio, a
sua obra. Fuma. Presta mais atenção no chiado do próprio peito.
Está acelerado. Mas vai se acalmando... Agora merecia o fim do
jejum; encontra no espantar da poeira secadas mãos secas tanto um
pretexto para bater palmas para si mesmo. Estava entre uma janela e
uma máquina de azar quebrada, metendo um gole de café preto no
copo, pra meter no estômago, com os dois cotovelos apoiados nela,
fingindo jogar e colocando as três frutinhas certas com as mãos. As
meninas ainda não chegaram. Ou estão trancadas em alguma máquina
por aí. Vai sair em breve, para rever o seu monumento... É o happy
hour de quem pode.
E então vem esse que falou por
ti, caro Cícero. Não foi por mal que sambei no metal e no mole
desse chão que fizeste, e nem esperava, frente tanta dureza,
combinada com a falta de luz de um poste, ou uma placa de aviso
dizendo: “Saí, Cê vai afundar aqui!”.Arruinei todos os seus
planos. Como explicar pra Marília Nise que ficou até as dez só
aprumando a massa? Ela não vai ser tão fixa na sua ideia de não
fazer disso paranoia e briga, você sabe. E quem sabe, nesse re
ajeitar de calçada dê o horário das meninas,e elas entrem, e as
medidas do pagamento sejam deixadas por ali mesmo, até às duas? As
máquinas funcionam, não são de todo azar, e Cícero fique, vire
alvo do tiro do jogo do álcool que o deixa crespo, talvez, tudo por
uma péa de atraso?
Talvez ele vire um alcoólatra,
ou intensifique o vício, por mim, que só passei ali, em sua vida,
por falta de lâmpadas, pra brincar de andar no caminho pronto.
Poderia ter passado fora da faixa, ou me portar como as meninas
conservadoras da zona Sul, ou da Menck, ou de Taipas, Jardim Caiçara,
cantos onde guardar longura da sujeira, do tinho e do tinhoso é o
que dá a alma fundura. Mas fui eu, anônimo também para ti, um
doido talvez, um corno, certamente, que ficou glorioso na tua fala e
ira por semanas, e ficará, para sempre em sua dúvida se o acaso do
rumo de vida que tomou foi seu mesmo, doido como eu, e talvez corno,
secretamente, ou se foi meu o desterro de lhe catucar a vida, graças aos meus quinze segundos de distração nos meus pensares moles. Tudo
misturado à massa. Mil desculpas, pedreiro José Inácio, sequemos no
começo.