14 de nov. de 2017

Indigno dia



Indigno dia

A essa hora
jaz em mim a pressa e a dor é a única acordada
porque mesmo a tristeza já não se aguentara;
esmoreceu, antes da meia-noite, a fadiga sem a calma.
Debaixo de um ombro o pudor se aqueceu com a febre
do pensamento que se foi justo ao fim da tarde
de tanto aguardar a decência e o fim
Aquela, que sequer amanheceu !

(mas este, sim.)





Juliano Salustiano

12 de out. de 2017

Santinha

Santinha


Santinha fica para lá
Um quarto só para ela
Longe da sala de estar

Ela tem os móveis todos para remover deles a terra
Não há mais ao menos do que chorar daquela guerra
Palestina onde pelo o nada tudo se mata 
E onde o sereno já se perdeu da medida exata

Teve que se vir com o filho de longe
Lá onde o coronel decidiu comer o mundo
Com colher garfou de um tudo, exceto a fome
Que se dividiu à força entre os vagabundos

Santinha fica para lá
Num canto de um bar
Longe da sala de estar

Tenta ler as letras cozidas do caldo da lida
Entre a convalescência do menino e seu ritmo
Em seu contrato reza a bula que será isso para toda vida

Santinha fica para lá da carne
Um prato de moedas só para ela
Ouve à noite os que gemem baixo em prece

Está cansada como a água da tubulação
A pressão jamais chegou ao seu patamar
De sangue vai rígido seu pescoço em aflição
Hora de dor, dor não se diz; hora de amar, só de sonhar.

Tem quem se impressione, de escrever e de ver
Que santinha se tenha às ventas tantos filhos
Apartada em terra do seu mundo e ser
A mãe preta e inerte de tantos maus sobrinhos

Santinha lameia seu corpo com creme
O cheiro dela não chega à sala de estar
O vestido de estrelas é o azul escuro de sempre

Os meninos brincam na sala de estar
A Santinha olha por eles sem se enfiar
Bota pela porta e fresta neles bom olhado
Que irradia da luz no seu uniforme sagrado

Santinha fica ali
No altar 
Um quarto só para ela
Num andor só dela
Barro e pés. E assim seja.



Juliano Salustiano


21 de ago. de 2017

Análise do retrato de Tatiana F.

Análise do retrato de Tatiana F.

Um sofá preto
Um cabelo negro
Um café escuro
Uma pele turva
E nada mais. 

Eu pensei que não estivesse mais viva, posando assim
Ou que nem esteve limpa
Na sujeira seca da poeira mais seca de seus olhos
Uma ruga curva atesta, completa
E nada mais.  

Viva nem está de olhos,
Mais viva em meus olhos
Cabelos pretos, desgastada
Viva onde eu vivo, uma escuridão que eu perco porque cisco e piso
Quando enfrento o dia
O ar que recupero cinza não enche nem seu pulmão direito.

Você é um risco que pode se ir amanhã
Na aurora grotesca, mas não vai – nem vem.

Um sofá,
Um Cabelo,
Um café, uma pele
E nada mais.

O seu vômito do mundo real eu não posso ver
É como tecer a mão ao vitrô de um espelho
Eu só posso te notar
E não te viver

Entre os estilhaços um sofá turvo
De suor das suas costas impregnadas aí
Um café preto como os goles
Das imagens de um belo museu visto num dia alegre,
Uma pele preta
Clareando e rodeando uma chama mínima, que resiste
Por hoje, entre esses cabelos ricos.

E nada mais. 



8 de ago. de 2017

Brega



Brega

Achei que fosse um desmaio
Mas era só uma nuvem passando frente ao sol.
Isso é brega.
Imaginei ser um terremoto,
Mas era apenas  a fome apertando os pés
Sonhei que pudesse amor,
Mas era o frio na espinha
Mas o ônus de me enganar foram os filhos e os nervos da Glia.
A natureza é brega
Como os rios que de curvas
Se interrompem,
E se carregam.  
Perna deformada, unha feia e mãos com fome,
Conforme-se
A natureza é delas, daquelas,
Da queda,  é brega.
Casa comigo, vou morar com você num sítio...
A natureza é brega
E a fisiologia dos convites também.

Pensei ter uma felicidade
Mas era só coceira nos arcos da miséria
Sim, pode ser só ânsia de comer sem doiduras a paisagem,
Pode ser só meu ciclo mensal chamando a sangue ou a raiva
A natureza é brega
Por ser tesão de graça
A natureza é brega...
Só que a decisão do saber antes fosse minha
E a dó dos bichos também não
A natureza é brega
Tem o seu tempo
Trabalha contra o bonito da vontade  
Cerque o rico, mine o campo, explosão tudo, que nada a vence. Brega.
Pensei ser opinião, mas era um surto, um mau jeito.
A natureza é brega e se revela sem casca.
Padece que tremendo o bote
Balanga o peito, trovoa e chove
Sendo porém sós
Tão envolvidas lágrimas limpas
Aí certeiro!
Cemitérios
Que a natureza é brega
Fora de linha
E nada bolero toca de si.


15 de jun. de 2017

Sem obstáculos


Sem obstáculos 

Sem obstáculos. Sem obstáculos o trovão vai longe; parece perto, carece eterno. Sem obstáculos o som do caio cai mais certo que um corpo, que caído uma vez, não termina seu destino. Sem obstáculos os braços apalpam sem mãos de ambição a crosta da Terra, sem cinismo há flores e se resta, presta. Sem obstáculos não há elevadores, tudo é todo rastejante e infesto, mundo incerto, tato avante, sem o de cor e aberto. Sem obstáculos se retira a portaria, o gradil e o parque-de-brinco, não tem anéis nos bolsos, não tem reuniões infinitas, não existe estudo sobre a insatisfação. Sem obstáculos, mesmo que pudesse encontrar, enfrentar outros olhos no hall, um novo a cada dia, gosto de lágrima, não seriam outras retinas na reluz a ver nádegas polidas, e não seriam outras a ver de volta olhos a perder a linha, se perdendo então até a maldita porta, pra calar outra vez o ensaio do que não vai ser concluído, para ser mais nada com o entulho chamado obstáculo. Sem obstáculos; obstáculo é o entulho com nome de plaza, piazza, de C.D.H.U, de sobreloja. É república inválida de siglas erradas, governada pelo paratortido da mágoa. Sem obstáculos o sangue vai longe, o ar para o bem disperso, e os urros para o infinito. Sem obstáculos o rosto no vento é filtro singular e nada mais. Dois entes iguais, sem as paredes da do social, da do de serviço, das garagens seriais, das dos arranhões do fisco, e no céu no escuro, da do silêncio polímero frio com as forças das penetrações rápidas e breves; da das discórdias isentas, de recipientes, de vasos de plantas artificiais, ou de encanamentos. Obstáculos. Sem obstáculos se pode chorar, vomitar e ter glicose nas atitudes. Sem obstáculos o rito é apenas abrir o olho, fechar todos os olhos e existir. Tão caro e tão barato que o ato se paga com os lucros em si mesmo feito, sempre efeito, sem obstáculos. Sem obstáculos: vive, sem obstáculos mato, mata não retribuída; sem obstáculos voz levante na lama sem asfalto, indo para o interior domim, sem dormir, interior do país. Sem obstáculos, uma bomba terá o efeito de um jamais, e uma lambida no beiço e o amor, portanto ecoarão mais ... Ainda mais que o som de todo artefato. Sem obstáculos, um copo de cerveza é o mar, e o gole seu é a cauda que foge da areia. Sem obstáculos a única ruína é o corpo e o único limite é Serra-do-mar ou a chapada de se des gastar. Sem Obstáculos!   



Juliano Salustiano


Imagem: Salar de Uyuni, Estado Plurinacional da Bolívia.

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