4 de set. de 2011

Dádiva




Me sinto tão inútil pelo fato do amor. Não que a sua existência me admire ou me espante sem motivo, mas sim porque a sua vizinhança comigo me entristece. É curioso perceber que sempre quando o vejo, em qualquer situação, parece que tenha visto qualquer coisa oposta a ele. Eles sorriem, eles te querem, eles torcem pelo seu sucesso, riem do que você diz, abrem os olhos quando você fala sério sobre a vida. Então eu abro a porta pensando que a paranoia vai passar. É o nosso aniversário. Não deveria ter deixado que eles entrassem assim, de tão ternos que dá até pra sentir o cheiro do mel quando me abraçam, ainda que eu não fosse um paranoico-sinestésico. Eles se vão no fim da noite e eu penso onde eu tenha errado tão pouco para ter merecido a tal ponto esse muito.
O amor me entristece, notei, não porque ele o seja, todo amoroso e rosa-em-cor , mas porque é tão bonito, tão piedoso, tão sem medo, sem coragem, sem qualidade boa ou má, que chega a ser aquele espaço imenso e vazio de substância, mas gigante o bastante para que caibam nele todas as essências, todas as vontades indistintas e pequenas, como a Terra no Sistema Solar, o Sistema na Via Láctea, ou da Via Láctea dançando como uma aspirina doida no íntimo do copo do corpo de deus, que chego a pensar não ser seu merecedor. Penso não ser bom a ponto de poder ser acolhido por esse vazio-cheio do amor, tão importante, tão universal, e que pode ser ejetado num sorriso, num bolo quente, numa lágrima. Eu durmo com trancas mais fortes nas minhas portas e janelas.

O Tédio me comendo solto III


Uma das coisas mais trágicas de que um dia se pode ser testemunha é o fim da vida de um homem. Nesse instante não há, nem pode haver, espaço para qualquer eufemismo: não é como a porra da luz que se apaga de repente, nem como a tradicional porra que se apaga, aos poucos e sem luz; ou menos como um pássaro que cessa seu voo sem deixar que ninguém veja. A morte é terrível, seca e triste. E vale à pena chorar? Não sei dizer se há lágrimas que possam ser dadas como perdidas em tempos de desespero. Porém, constato que o que se larga por entre os olhos não ajuda a trazer de volta quem à terra fria foi entregue, tampouco minimiza a saudade, esta sim, ainda mais dolorida na alma de quem permanece na porção superior do sepulcro.

3 de set. de 2011

A bad song to a dead friend


Hoje o dia amanheceu, e você não viu
bem ou mal, escureceu, e você nem viu
bem relógio, o tempo foi, e você não viu.
Teve também muita tristeza,
sorrisos, lembrança;
coisas da saudade,
que nem a palavra resolve.
Dois vizinhos brigaram, tolos,
dizendo besteira,
por bobagem;
Um carro passou,
enguiçou,
empurraram, e fez barulho,
mobilizando a gente, que não pára.
Até mesmo quando chove, surpreende
a vazão explosiva dessas águas,
que nos reencarnam mais sujas pelas tardes.
Eu me debruço até com o barulho das xícaras,
com o doce contido nos fluídos quentes
sobre as mesas.
Ventou bastante pela noite,
que eu até me iludi, sem sonhos
pensando ser a sua presença;
Que nem durmo,
no escuro
só sentido, precipitados e abertos
os olhos do que vejo, as maldades;
pelo consolo
das janelas que não se fecham,
a saber que estás poupado,
preservado e eterno.
Mas se tudo amanhece
e sem ti nada se corre,
acorrentado,
eu permaneço que nem carro,
precisando de ajuda,
que não sossega e nem parte,
água que não mexe,
pra seguir.

Educação. Parte II


Se está disposto a saber
tudo o que se sente,
faça medicina
Ou corajoso a conhecer
tudo quanto faz pouco dos sentidos,
filosofia.
Jamais poesia.

2 de set. de 2011

C- ticismo

C- ticismo-14



A salamandra, ou lagartixa de rico, que larga na sua parede, na sua rede,
a sua cauda
imagina que pariu, desolada, salvadora alma
O estreptococo que tenta avariar cada célula sadia,
driblar o estetoscópio e o raio gama
pensa ser só esse o seu negócio,
que suas vítimas nasceram apenas para esse propósito.
Meu cão, que balança o corpo e o rabo
pra dizer que me chama tanto, que me ama-em-intuito
pensa de mim que sou cachorro grande
de duas pernas, preto e magrelo.
O homem quando vê a vida
pensa estar nela tudo acertado e contido;
um universo que sempre gira sorrindo
mesmo quando coveiro tapa o buraco, sem os dentes.
Pode me cuspir o meu cético sentido, mas não pretendo ficar restrito
às mínimas condições gerais.
Não quero ser cachorro de mim mesmo,
bolôr de pão ou vida tranquila;
eu quero me devorar
e apodrecer pelas mãos da dúvida:
escapar pelos dutos da minha existência
para que se não houver amanhã
eu encontre , à luz do menor valor que fui,
o movimento acelerado dos raios de uma certeza atômica-menor,
que não pensa nada, 
e está no mundo. Um ponto-tudo.

Hippomania, por falta de uma lembrança de título.

 Hippomania



Jovianna saiu Às 23hs para comprar a manteiga que mais gosta, importada e sem cheiro. Se esqueceu de que o mercado fechava às dez e decidiu voltar. Se lembrou de que gostava da noite e decidiu ir à rua Amália. Não lembrou onde era a tal rua da infância; não lembrou do próprio nome. Tentou voltar pra casa da rua-sem-nome do bairro sem mundo, do mundo sem filhos, dos netos sem futuro. Ligou para casa discando o teclado do telefone celular mudo das solas das próprias papetes. Conectou o modem dos e-mails confusos com os barbantes do elástico da calcinha, da calçona , da blusa com cheiro de armário, com os fios dos próprios cabelos. Viveu sete anos na rua, a mesma rua Amália, que um dia encontrou por acidente, sem nunca saber que o tinha feito, a apenas nove quadras da sua casa. Seus três filhos saíram para procurá-la, mas se esqueceram que a mãe já estava fechada, e decidiram voltar pra casa. Se esqueceram de vez dela. Estão os três doentes.

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